Hoje é um domingo chuvoso, nublado e fresco, minha definição de dia gostosinho. Estou sentada com o notebook no colo esboçando essas linhas. A primeira coisa que acho importante dividir com vocês é que estou, nesse momento, experienciando uma certa preguiça enquanto escrevo. Como já disse, estou vivendo um dia gostosinho no qual há duas coisas que quero fazer nesse momento: 1) assistir aos meus seriados, debaixo da coberta, comendo pipoca e 2) passar algumas horas lendo. Nunca senti tanta gratidão pela preguiça, porque ela está sinalizando para mim que eu tenho vontades. Sim, tenho vontade de fazer outras coisas além dessa que estou fazendo exatamente agora. Você deve estar se perguntando o que eu quero dizer com isso, porque aparentemente nada está fazendo sentido. Calma, você vai entender, vem comigo!
Em alguns momentos da minha vida cheguei perto do diagnóstico de depressão. Felizmente para mim a coisa nunca se desenvolveu de uma forma profunda e com a psicoterapia consegui superar o que estava vivendo. Mas chegar na beiradinha do portal desse transtorno do humor me fez vivenciar alguns sintomas. É desesperador, e certamente quem está vivendo ou já passou pela depressão irá entender. Espero que quem nunca tenha passado por isso também possa aproveitar o texto para estar alerta.
Descrever como é se sentir deprimido é extremamente difícil. Digo que é difícil porque, no momento exato em que você está vivenciando os sintomas, não há nenhuma energia disponível para que você se sente e escreva sobre. Acreditem, eu tentei. O que nos resta, então, é a memória do que foi vivido.
Vamos começar pelo sono. Com sorte, você irá se deitar para dormir e não terá insônia antes nem acordará no meio da madrugada sem conseguir voltar a dormir. Se uma dessas coisas acontecerem (ou as duas), você irá se levantar com um peso enorme nos olhos, confusão mental e falta de energia. Seu dia parecerá completamente inútil.
Se pelo contrário, a depressão se manifesta como um grande período de hibernação, essa será a única “vontade” que você vai sentir: passar o dia deitado. Não é por cansaço físico, nem mental. É um cansaço da vida. Você dorme porque não vê sentido em fazer algo ou porque simplesmente não existe uma fagulha de vontade em seu corpo e você não quer acordar para não ter que voltar para esse mesmo cenário ruim.
Quando finalmente você se levanta e precisa viver os dias, mais uma vez ela está ali, a falta de vontade. Parece que essa é a única coisa que sobrou. Sabe tudo aquilo que você adora fazer? Os filmes, os seriados, as leituras, jogar, sair com os amigos ou seja lá o que você sempre gostou. Nada disso tem graça, mas por saber que existe um histórico de fazer essas coisas e se sentir feliz, você até tenta. De repente você percebe que parou no meio de um episódio e está rodando a linha do tempo do seu Facebook pela 14ª vez, vendo as mesmas atualizações e sem saber exatamente o que você está fazendo. Você só sabe que não queria estar rodando o Facebook e nem vendo TV.
Agora, a alimentação. Em alguns momentos você nem se lembra de se alimentar porque não sente vontade nenhuma. Em outros, somente aquele combo de carboidratos vai te trazer um mindinho de satisfação no dia. Por isso, é muito comum um paciente deprimido ter alterações de peso sem envolver dietas, para mais ou para menos quilos.
Um incômodo constante é sentir que você não é uma pessoa boa para estar perto de outras pessoas, especialmente daquelas que você mais gosta. O que é muito contraproducente, porque são exatamente as pessoas de quem você mais gosta que terão o maior poder para te ajudar (e muitas vezes, se elas não souberem lidar com a depressão alheia, as que mais irão agravar o caso). Você se sente um peso, um estorvo. Você passa a achar que é o estraga-prazeres de outra pessoa.
Coisas que você fazia normalmente demandam uma energia muito grande para serem iniciadas e terminadas. E depois que você termina, parece que usou tudo o que tinha para conseguir concluir.
Quando você está se tratando, seu psicólogo, médico, amigos e familiares insistem para que você faça exercício físico – que na minha opinião já é chato naturalmente, imagina fazer exercício físico quando nem o que você gosta de fazer você quer fazer. No entanto, engajar-se no exercício físico é realmente ótimo, porque o efeito natural é liberar endorfina e serotonina, substâncias que provocam bem-estar. Mas cadê a disposição? Se você tiver alguma, por mínima que seja, eu recomendo fortemente que você a gaste aí mesmo, no exercício físico. Ele tem a chance de te devolver esse empréstimo de disposição depois.
Basicamente, tudo aquilo que você imagina que seja o efeito de um dementador em Harry Potter, no meu ponto de vista, pode ser associado ao que é sentir-se deprimido. De acordo com o que é descrito nos livros, o dementador suga a alegria e momentos felizes da vida das pessoas. Caso ele dê o beijo em sua vítima, a pessoa perde a alma de forma irreversível, entrando em estado vegetativo permanente. Viver com sintomas de depressão, ainda que não diagnosticada, é como ter um ser das trevas perto de si, levando embora o som da risada e as curvas do sorriso.
1 Comment
Muito bom o texto, descreve exatamente como fico quando não estou em alguma “missão”