Não tenho nada para falar na terapia

Não tenho nada para falar na terapia

Já aconteceu com você de pensar que não tinha nada para falar na terapia? Eu acho esse tema até um pouco engraçado porque já ouvi vááááárias pessoas dizendo durante a própria sessão de terapia que não tinham nada para falar logo antes de passar quase 1 hora falando sem parar!

Ou então quando recebo mensagem dos clientes falando que vão desmarcar a sessão da semana porque “não tem nada para falar”. É uma situação bem comum e eu acho que é meu papel educar sobre como funciona uma boa terapia e as melhores maneiras de se aproveitar esse tempo que é totalmente dedicado a você!

Se você preferir acessar esse conteúdo em vídeo, está aqui:

Primeiro eu vou te contar o que acontece quando uma pessoa sente que não tem nada para falar e por causa disso desmarca o atendimento da semana: a gente perde uma oportunidade ENORME de aprimorar o autoconhecimento desse ou dessa cliente. E eu vou te explicar por quê.

Quando nós vamos para a terapia sentindo que “há o que ser falado”, provavelmente aconteceu alguma coisa. Você sentiu algo mais intenso e vai dar “pano pra manga” na sua sessão. Eu digo que é como se nós estivessémos apagando um incêndio ou fazendo um trabalho de bastante esforço. E ok, terapia é para isso sim, lógico! Eu sei que você faz terapia não por mim ou pela psicóloga ou psicólogo que te atende, mas sim porque de alguma forma, você precisa desse tempo de reflexão e autocuidado e desse olhar profissional sobre a sua vida. Então é mais do que justo e esperado que você vá para falar sobre os seus problemas, certo?

Mas aí é que vem a sacada: terapia não é bom só quando estamos com um caminhão de problemas para resolver. Quando o incêndio está acontecendo e precisamos apagar. A terapia tem um potencial muito bonito e poderoso na sua vida quando você tem uma certa estabilidade para olhar bem lá no fundo quais são os pontos que você quer aprimorar de verdade na sua vida.

Quando há o caminhão de problemas para resolver, precisamos priorizar ações mais assertivas, que resolvam rapidamente os problemas, mesmo que essa resolução não tenha um caráter definitivo. É bem a ideia de apagar o fogo e continuar vivendo. Mas se você se dispõe a ir para uma sessão mesmo quando acha que “não tem o que falar”, é a melhor chance que você e a sua psicóloga ou psicólogo vão ter de descobrir as causas desses incêndios e levantar propostas que sejam mais preventivas e menos reativas às crises. É quando você poderá encarar de frente e com mais detalhes informações essenciais da sua vida: seus traumas, seus desconfortos, seus valores, no que você quer basear suas próximas escolhas, e por aí vai.

Quando “não tem nada para falar na terapia”, é um bom tempo para voltar naquele assunto que você passou rápido, que não deu para aprofundar e especialmente nas coisas que mais te incomodam e que mais te tocam. Inclusive eu sei que esse é um dos motivos das pessoas escaparem dessas semanas em que “não tem nada para falar”, porque elas têm essa previsão de que vão precisar se deparar com o problema maior cara a cara.

Na minha experiência de atendimento com as várias pessoas que já passaram pelo consultório e as que estão sob os cuidados dos meus atendimentos atualmente, dá para perceber movimentos comuns à maioria delas. Por exemplo, acontece com uma boa frequência alguns eventos, vou compartilhar com vocês:

  1. Às vezes abrimos um assunto bem denso, bem emocional da pessoa e na semana seguinte ela traz um assunto completamente diferente, bem menos denso, bem menos emocional e trata aquilo com uma super urgência, não dando espaço para voltarmos no assunto aberto na semana anterior;
  2. Ou até acontece de faltar a sessão dessa semana porque na semana passada entramos nesse assunto denso e emocional e é bem provável que essa pessoa ainda não saiba lidar com isso;
  3. Existem pessoas que parecem só querer uma carteirinha de “eu faço terapia” para apresentar publicamente ou para si mesmo, mas que na prática, no dia a dia, não faz nada realmente concreto para mudar a própria realidade. Se a pessoa que está passando por esse estágio sente um pouquinho mais de pressão, pode abandonar a terapia ou dar esses espaçamentos maiores entre sessões;
  4. Tem gente que chega ao ponto de parar a terapia no exato momento em que arrancamos a casquinha do machucado. Eu fico chateada pelo fato de saber que tinha tanta coisa para ser falada, para ser resolvida, para ser trabalhada… Tinha tanto espaço para essa pessoa se sentir melhor, mas com medo da dor – e eu compreendo isso 100% – ela volta para o casulinho. Daqui 1, 2 anos, traz esses problemas todos de volta.

Existem várias outras formas de agir em terapia. Inúmeras. Meu foco aqui não é criar um teste do Buzzfeed de “que tipo de cliente (ou paciente) de terapia é você?”, até porque as pessoas oscilam em maneiras diferentes de encarar a terapia e de se engajar no processo ao longo do tempo. Tentei trazer algumas ideias associadas a essa situação do tema de hoje que é o “não tenho nada para falar na terapia”. E é bom lembrar também que na minha profissão de psicóloga, eu sou contratada para ouvir as pessoas e buscar as melhores intervenções para resolver as demandas que elas me trazem. Independente do que a pessoa esteja fazendo, se ela se encaixa pelo menos parcialmente em alguma das quatro situações que eu levantei, eu vou ser parceira dessa pessoa na busca do melhor para ela.

A tendência é que aquilo que mais evitamos falar seja exatamente o que é mais difícil de ser falado. Inclusive muitos dos nossos problemas aparentes, aqueles problemas mais visíveis, que costumamos enxergar mais rápido, têm essa função de esconder o problema-base que fica ali no fundo. Esses são mais estruturais, mais resistentes… Fazer as suas sessões de terapia só quando o “bicho tá pegando” vai levar ao fato de que você não vai conseguir nunca resolver as coisas em um nível mais profundo, porque os incêndios sempre vão ser mais urgentes.

Para concluir, queria reforçar a ideia de que há outras maneiras de encarar a terapia para além de apagar os incêndios. Você pode ganhar muito com sessões mais tranquilas. Outra coisa importante é 1) o ritmo e 2) a comunicação assertiva. Eu sou adepta da ideia de que uma boa comunicação resolveria os problemas do planeta. Eu sei que se você não tem essa habilidade muito bem desenvolvida, vai ser mais difícil, mas tente ter uma comunicação transparente com sua psicóloga ou psicólogo. Pensa aqui comigo: você acha que “não tem nada para falar” na sessão e quer desmarcar porque está com receio de entrar naquele assunto que passou rapidinho tempos atrás, já que nessa sessão teria tempo para isso porque não há nenhum incêndio para apagar. Mas se você conseguir, de alguma maneira, informar para sua psicóloga ou psicólogo que hoje você não está preparado(a) para falar disso, ou que você não gostaria de falar sobre, não precisa fugir da sua sessão. Isso é o papel da comunicação assertiva: você se posicionar e se beneficiar disso. Também mostra o papel do ritmo, que é você deixar posto que ainda não está na sua hora de abordar aquele assunto. Dá para explorar outras coisas ou conversar aos pouquinhos sobre aquilo que é difícil, ir por outras vias… A responsabilidade não é só sua, claro. No meu papel, na função de terapeuta, eu preciso estar atenta sobre o que parece mais difícil e encontrar as melhores formas de abordar esses pontos. Mas é muito melhor se do lado de lá a pessoa em atendimento me dá um feedback de como o processo está acontecendo para ela. Em vez de falar diretamente sobre os assuntos, podemos conversar sobre porque é difícil falar deles. Também podemos buscar o que tornaria mais fácil abordá-los ou pensar se há outros caminhos.

Da próxima vez que você não tiver nada para falar na terapia, pense mais uma vez!

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