#vaigordinha e a gordofobia dos nossos tempos

#vaigordinha e a gordofobia dos nossos tempos

Recentemente postei um texto no meu Facebook pessoal sobre algo que aconteceu comigo: uma proposta de parceria com uma nutricionista para trabalharmos com grupos de emagrecimento para mulheres. Como sou psicóloga, eu iria trabalhar com a parte de motivação e de criação e manutenção de hábitos. Tudo isso com a intenção de que as mulheres que nos procurassem conseguissem se engajar em um processo de emagrecimento sustentável, isto é, conseguissem emagrecer por meio de hábitos de vida saudáveis (alimentação e exercícios) e manter o peso desejado – sem dietas mirabolantes e de modinha.

Ouvi toda a proposta e expliquei o quanto eu não me sinto à vontade para trabalhar com esse tema. Vou explicar meu motivo, assim como contei para a profissional que me procurou. Embora a proposta tenha dois pontos fortes pelo meu ponto de vista – 1. não usar dietas mirabolantes e 2. focar em emagrecimento atingido por meio de hábitos saudáveis – ainda assim é um trabalho com emagrecimento para mulheres. 

Temos que levar em consideração que todo momento histórico tem seu padrão de beleza. Não seria diferente para os dias atuais. Abaixo, há um vídeo que mostra alguns dos principais padrões. Está em inglês, mas dá para entender a mensagem porque há modelos ilustrando todos eles:

A partir do momento em que há um padrão, há uma tentativa de encaixe nele. Isso me leva a questionar a vontade das mulheres de emagrecer. Elas querem isso por que precisam (estão com problemas de saúde, por exemplo) ou por que o padrão é imposto a elas? Minha colega Júlia escreveu sobre um outro formato de padrão aqui na Gazeta, recomendo que leiam o texto “Quando as expectativas sociais desfizeram os cachos; ou: o inferno são os outros”. Faço coro a todas as palavras dela!

Identificar o padrão que hoje exige mulheres magras, “barriga negativa”, pele branca, cabelo liso e o escambau é o primeiro passo para trabalhar de forma honesta e produtiva com mulheres. Eu as atendo quase todos os dias da minha semana e vejo constantemente o quanto estão insatisfeitas consigo mesmas, com a autoestima e autoconfiança distorcidas e prejudicadas em muitos casos. Quando o tópico é emagrecimento, geralmente tento buscar respostas para as perguntas abaixo:

  • Por que você quer emagrecer? E como você quer fazer isso?
  • Você tem problemas de saúde em função do seu peso? Já fez check up com seu médico?
  • O que te faz pensar que você está gorda?
  • O que você pensa sobre ser gorda?
  • O que você vai conseguir se emagrecer? E o que você perde com isso?
  • E depois de emagrecer, o que muda na sua vida?
  • Você quer fazer isso por você mesma ou pelos outros?
  • Qual é o jeito mais saudável que você enxerga para emagrecer? Como você pode se engajar no emagrecimento saudável? (Se essa for a decisão dela).

Claro que as perguntas mudam conforme a pessoa com quem estou conversando, seus objetivos e o contexto do atendimento. E é óbvio que eu não faço esses questionamentos como uma sabatina. Abordar o tema do emagrecimento, como praticamente qualquer outro dentro de um consultório de Psicologia, requer empatia, sensibilidade ao outro e vontade genuína de ajudar. Requer, também, reconhecer a posição em que eu mesma estou – considerando o espectro dos padrões de beleza – e não misturar minha vivência e a da mulher que estou atendendo; é fundamental respeitá-la enquanto sujeito de sua própria vida. Não estou dizendo, de forma alguma, que mulheres devem ser proibidas de querer emagrecerem. Só estou dizendo que elas devem refletir criticamente sobre essa vontade e, assim, tomar uma decisão sobre o peso que querem ter associado com a saúde que desejam. E saúde não é só exame de sangue. Saúde é também se olhar no espelho e gostar do que está vendo, se sentir feliz de biquíni ou de maiô. Andar na praia alegremente não importa quantos quilos você tem.

É exatamente por tudo isso que eu falei para vocês que eu não quero e não vou trabalhar com um grupo de emagrecimento para mulheres: como é um atendimento de curto prazo, com sessões pré-definidas e em grupo, eu não vou conseguir tocar na individualidade de cada uma – não há tempo hábil para isso – e levá-las ao questionamento de por que estão ali. Quem vai a um grupo desses não quer descobrir que pode não querer emagrecer (obviamente estou considerando os casos de mulheres que não teriam nenhum prejuízo em sua saúde caso optassem por não emagrecer). Não quero vender meu trabalho de um jeito fácil e ganhar muito dinheiro só porque o público-alvo está vulnerável a uma sociedade que as obriga a serem magras. Uma sociedade que finge que elas têm mais valor se vestirem 36. O que eu quero fazer, por meio do meu trabalho, é mostrar cada vez mais que todas as mulheres podem aprender a ser felizes como são – sempre

Cada vez mais, todas as mulheres podem aprender a ser felizes como são.

buscando a saúde integral – em vez de se submeterem a um formato único, que é o padrão de beleza do nosso tempo.

Quer saber de uma coisa surpreendente que ninguém te diz? Existe um monte de gente gorda SUPER saudável. Isso nos mostra que há um policiamento social à gordura alheia muito mais relacionado à aparência da pessoa gorda do que propriamente a uma preocupação com a saúde dela. E tem gente que não aceita que algumas pessoas escolhem simplesmente permanecerem com o corpo que têm e não possuem objetivo de emagrecer, já que física e emocionalmente encontram-se sadias.

Imagino que você já tenha visto a hashtag #vaigordinha no seu Facebook, Snapchat ou Instagram. Nas vezes em que eu mesma vi, eram mulheres extremamente magras obcecadas com o próprio peso que haviam postado. Em geral, era uma foto fazendo exercícios na academia. Bem criticável a atitude delas, mas não vou falar exatamente sobre isso agora, talvez em outro texto. O que eu estou querendo dizer com isso é que o #vaigordinha normalmente é utilizado para o contrário do que a expressão literal propõe, que seria um incentivo às gordinhas a irem em frente. Da forma como é usado, o #vaigordinha é, na verdade, uma glorificação da busca para alcançar a magreza desejada e traz relação com a gordofobia. De acordo com o site “Gordas Livres”, a definição de gordofobia é essa:

Gordofobia é o sentimento de medo, não só do indivíduo gordo, mas da gordura, o medo irracional de se tornar gordo e assim se tornar aquilo que você repele, o medo de se transformar na figura do gordo, isso é lipofobia, a gordofobia vem da lipofobia. Gordofobia é a repulsa, o nojo, o asco, o sentimento de raiva e necessidade de afastamento do indivíduo gordo, da gordura e de tudo que a cerca.

Todo mundo está sujeito a se sentir inseguro quando se depara com os padrões de beleza, não importa a marcação que aparece na balança. Especialmente quando falamos de mulheres. Felizmente, ao pesquisar menções da hashtag, encontrei mulheres gordas questionando o uso do #vaigordinha e mudando a função da expressão. Escreveram isso para marcar um posicionamento e para atuar no empoderamento das mulheres em relação ao tamanho e formato de seus corpos. O que eu gostaria que ficasse desse texto para vocês é o seguinte: toda mulher é linda quando consegue se amar antes de tudo.

Vamos nos ajudar nesse sentido? Sempre que tiver a chance, mostre a uma mulher todas as coisas boas sobre ela, mostre formas para que ela se liberte do julgamento dos outros, para que se veja e se trate com carinho.

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