Um dos principais parceiros de trabalho que eu tenho é o(a) médico(a)psiquiatra. Eu vejo que, assim como a psicoterapia, a psiquiatria ainda sofre com muitos preconceitos e isso faz com que muitas pessoas deixem de se beneficiar de um tratamento que poderia ajudar demais a elas.
Por isso resolvi escrever esse texto para te ajudar a compreender porque não é um bicho de sete cabeças ser encaminhado para psiquiatra. Se você preferir, pode acessar esse conteúdo no formato de vídeo:
Nossa pauta de hoje é a seguinte:
- Quando faz sentido encaminhar para a psiquiatria dar uma força no acompanhamento da pessoa que já está em terapia;
- Quais são os objetivos do tratamento psiquiátrico e como isso se entrelaça com o que é feito na terapia;
- Por que os psicofármacos não são um bicho de sete cabeças e
- Como você pode pensar na medicação como sendo um movimento de aprender a andar de bicicleta.
Quando faz sentido encaminhar para a psiquiatria?
Como funciona: geralmente eu recebo as pessoas que estão interessadas na terapia e faço uma primeira sessão em que eu avalio quais são as principais – e primeiras – demandas. Digo primeiras porque terapia é algo muito dinâmico, e no decorrer das sessões podemos descobrir que há mais demandas do que a pessoa percebia, pontos que são mais profundos, ou até mesmo descobrir várias interações entre as principais demandas.
Nessa primeira sessão, que eu costumo chamar de entrevista inicial, já vou ter uma noção do nível de estabilidade desse possível cliente que chegou ao meu consultório. Pessoas que estão bastante instáveis, que estão com sintomas muito aparentes de desajuste, sejam sintomas depressivos, ansiosos ou de outro caráter, que estão em um sofrimento intenso, eu já encaminho para os médicos parceiros ou incentivo que a pessoa volte no médico que já a atendeu antes, ou que ela já conhece por outra indicação.
Na grande maioria das vezes, eu não faço o encaminhamento já na primeira entrevista. Se a pessoa não estiver em nenhuma situação de risco ou de sofrimento muito intenso, com sintomas muito aflorados, prefiro esperar algumas semanas para conhecer melhor o ritmo de desenvolvimento do(a) cliente.
Aqui eu acho importante dizer que eu, como psicóloga, gosto muito quando meu ou minha cliente pode se consultar com algum dos meus parceiros, porque são médicos com quem eu já tenho um diálogo aberto. Eu peço autorização ao cliente para conversar com o psiquiatra da escolha dele – sendo meu parceiro ou não – porque essa troca entre profissionais é muito benéfica no sentido da integração de diferentes esforços que têm como objetivo comum melhorar a vida daquela pessoa. Em uma conversa entre mim e o(a) psiquiatra eu posso entender melhor qual é o plano de tratamento medicamentoso, quais são as melhoras dos sintomas esperadas e posso informar se do ponto de vista comportamental a pessoa está conseguindo desempenhar mudanças importantes para ela.
O que eu vou observar para saber se está na hora de recomendar ou não o acompanhamento psiquiátrico enquanto busco conhecer o ritmo da pessoa? Vou observar se as nossas intervenções fazem efeito, se o que é proposto em terapia de fato produz melhorias na vida do(a) cliente e até mesmo se a pessoa dá conta de fazer o que é proposto. Se, a partir das nossas intervenções, quase nada muda, se eu percebo que toda hora o(a) cliente bate em um “muro” e não consegue continuar, é sinal de que alguma coisa que talvez seja de caráter fisiológico está produzindo esse “muro”.
Quais são os objetivos do tratamento psiquiátrico e como isso se entrelaça com o que é feito na terapia?
O tratamento psiquiátrico visa diminuir e estabilizar a ocorrência dos sintomas ansiosos, depressivos, psicóticos, entre outros.
Explicando a partir de um exemplo: imagine uma pessoa que tem uma dificuldade intensa de socialização, que morre de medo de falar em público, que tem uma vergonha muito significativa de fazer coisas que consideramos normais no dia a dia, como comer em público ou escrever com outras pessoas olhando. Essa pessoa tem realmente muito medo do olhar do outro, a ponto de paralisar. Uma intervenção comportamental comum para iniciar seria incentivá-la a se expor a situações controladas de socialização, respeitando a dificuldade que ela tem hoje, ou seja, com um nível de desafio que seja tolerável. Mas se a pessoa tem um medo tão grande de se expor a situações sociais que tudo o que ela faz é evitar essas exposições, talvez só consigamos romper essa barreira com medicações próprias, bem escolhidas pelo(a) psiquiatra. Depois que o medicamento rompe a barreira é quando a terapia entra com essas aprendizagens.
Porque os psicofármacos não são um bicho de sete cabeças
O que eu costumo dizer para os clientes encaminhados é que com a inclusão e acompanhamento da medicação pela área da psiquiatria, nós vamos buscar estabilizar efeitos fisiológicos, diminuir e estabilizar os sintomas que possam estar atrapalhando ou causando sofrimento, para que a partir dessa estabilidade, a pessoa consiga trabalhar os aspectos comportamentais para se desenvolver. Essa é a parte em que a terapia entra.
Não adianta só medicar, porque isso iria apenas mascarar os sintomas sem ensinar novas maneiras de viver melhor. E não adianta só a terapia – nos casos em que a psiquiatria é recomendada – porque a pessoa não vai ter estabilidade suficiente para conseguir promover mudanças, adaptações ou melhorias na própria vida.
Existe muito preconceito com as medicações: medo de ficar dependente, de nunca mais poder parar de tomar, de ser coisa de “doido”, de que tomar remédio signifique que seu caso é muito grave, de que você vai ganhar peso… Se você quiser desmistificar essas dúvidas, recomendo esse vídeo que produzi em parceria com a psiquiatra Isabella Henriques:
O que eu gostaria que você soubesse agora é que o psicofármaco bem utilizado, com o acompanhamento regular do(a) seu médico(a), é um recurso poderoso para você ficar bem. E é seguro, mas desde que você respeite esse acompanhamento próximo com o(a) psiquiatra.
Medicação + terapia é como aprender a andar de bicicleta
No início, quando você ainda não sabe andar de bicicleta, provavelmente vai colocar rodinhas para evitar cair. A medicação faz esse papel das rodinhas e a terapia é o movimento de andar de bicicleta. Com o tempo, conforme seu quadro médico permitir, você vai tirar uma rodinha e vai andar com uma só, para testar seu equilíbrio em uma situação mais desafiadora, mas em que já existe uma pressuposição de que você está melhor no comportamento de andar de bicicleta.
Quando se remove uma rodinha é o momento em que iniciou o desmame da medicação – mas lembrando que em casos mais crônicos a medicação pode ser recomendada por um período muito mais longo do que o convencional para cada tipo de tratamento. Com o decorrer do tempo e das percepções de melhora, a outra rodinha vai ser removida, ou seja, você já vai poder interromper o uso do psicofármaco a partir de uma recomendação médica.
Vai ser interessante continuar com a terapia por mais um tempo, para continuar checando se você continua andando de bicicleta sem muitos tombos, até que um dia faça sentido a alta da própria terapia.
Conclusão
Para resumir nossa conversa de hoje, se sua psicóloga ou psicólogo te encaminhou para acompanhamento psiquiátrico, em primeiro lugar, entenda que é um cuidado adicional e importante.
Você tem dúvidas, essa indicação te assustou? Converse, exponha o que você está pensando porque sua psicóloga ou psicólogo vai poder te ajudar já explicando e desmistificando muitas coisas e também indicando médicos de confiança, que vão poder responder às questões mais técnicas sobre os psicofármacos.
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